No Mês Mundial do Autismo, doença que se estima que afete uma em cada 100 pessoas, a americana Joanne Kurtzberg, hematologista pediátrica, veio a Portugal partilhar a investigação pioneira em curso sobre a utilização de sangue do cordão umbilical, próprio ou compatível, em terapias regenerativas do cérebro.
A um mês da apresentação dos resultados de um ensaio clínico que envolveu mais de 160 crianças com o espectro do Autismo infusionadas com células do próprio cordão umbilical ou de um irmão compatível, a médica hemato-oncologista pediátrica Joanne Kurtzberg esteve no Porto e em Lisboa para levantar a ponta do véu sobre a investigação em curso desde 2016.
A especialista norte-americana, pioneira na utilização de células estaminais do sangue do cordão umbilical em doenças degenerativas e que deu uma palestra no Porto, na Clínica ‘Bebé Vida – Banco de Tecidos e Células’, não prometeu “curas revolucionárias”, mas antecipa “conclusões promissoras”, em especial no tratamento de crianças com paralisia cerebral e espectro do Autismo.
A diretora do ‘Pediatric Blood and Marrow Transplant’, da Universidade de Duke, na Carolina do Norte, EUA, foi uma das especialistas que participaram no primeiro transplante com células do cordão umbilical, em 1988, tratamento aplicado com sucesso a uma criança de cinco anos com anemia de ‘fanconi’, uma doença potencialmente fatal. A criança norte-americana, em tratamento de quimioterapia, recebeu células estaminais de uma irmã compatível, tento desde então a especialista já realizado mais de 2.200 transplantes proveniente de sangue do cordão umbilical e que revelaram ser eficazes, sobretudo “no tratamento de doenças do foro sanguíneo”.
Questionada sobre a sua experiência de três décadas de investigação, Joanne Kurtzberg adiantou que estão comprovados “resultados clínicos seguros” no tratamento de tumores líquidos, como linfomas ou leucemias. Agora, a expectativa é obter resultados positivos da aplicação de células do cordão em terapias regenerativas do cérebro, como Alzheimer ou Parkinson, e em alguns casos de tumores sólidos.
Apesar de liderar há duas décadas um programa de transplantação pediátrica no Hospital Pediátrico da Universidade de Duke, especializado em doenças hereditárias e em imunodeficiências, Joanne Kurzberg é cautelosa nos prognósticos do ensaio clínico a que foram submetidas as crianças com diferentes espectros do Autismo, uma doença até agora incurável.
“Há sinais positivos nas crianças que receberam infusões intravenosas de sangue do cordão não manipulado, mas não há uma varinha mágica”, advertiu na palestra realizada sexta-feira, onde lembrou que um estudo recente estima que, no final de 2018, uma em cada 59 crianças nos EUA nasça com espectro mais ou menos severo de Autismo.
Qualquer que seja a evolução da investigação neste campo nos próximos 30 anos, a especialista deixou uma conselho às grávidas, sempre que seja possível: “Preservem o sangue e o tecido do cordão umbilical do bebé. É demasiado valioso para ter como destino o lixo, podem salvar uma criança com uma doença genética ou cancro”.
No caso do Autismo, antes considerada uma doença rara, a prevalência de crianças diagnosticadas com perturbações associadas ao Autismo tem vindo a crescer, situação que João Sousa, diretor de qualidade do laboratório de tecidos e células Bebé Vida, atribui a uma maior “consciencialização dos profissionais de saúde e dos próprios pais, além da evolução dos meios de diagnóstico”.
Em Portugal, o banco público de recolha de sangue e tecido do cordão umbilical funciona no Porto no Hospital de São João, no Hospital Pedro Hispano e no CMIN (Centro Materno-Infantil do Norte) e na Área Metropolitana de Lisboa no Hospital Amadora-Sintra. De acordo com João Sousa, no país são três os bancos privados de criopreservação de células e tecidos – as clínicas Bebé Vida, no Porto e Lisboa, e a Stemlab, em Cantanhede, onde a especialista americana também esteve presente. A passagem de dois dias por Portugal terminou com uma palestra, sábado, no Congresso da Sociedade Portuguesa de Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal (SPOMMF), na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa.
Segundo João Sousa, a recolha de sangue e tecido do cordão umbilical, feito na altura do parto, é gratuito no banco público, renunciando a dadora aos direitos da amostra. Nos bancos privados, as parturientes levam o kit de recolha para os hospitais públicos e privados, transportados de seguida para os bancos de criopreservação, onde permanecem com qualidade durante 25 anos. O custo-médio é de €1500 e destina-se a utilização da própria criança ou irmãos compatíveis.