O cancro desenvolve-se em pessoas de todas as idades e pode afetar qualquer parte do corpo. Inicia-se com alterações numa única célula que irá proliferar fora de controlo, podendo resultar numa massa (ou tumor). Se não for tratado, o cancro geralmente expande-se e invade outras partes do corpo. Ao contrário dos adultos, a grande maioria dos cancros infantis não tem uma causa conhecida. Muitos estudos procuraram identificar essas causas, mas muito poucos destes cancros infantis são causados por fatores ambientais e/ou de estilo de vida. Adicionalmente, os dados atuais sugerem que aproximadamente 10% de todas as crianças com cancro apresentam uma predisposição devido a fatores genéticos1.
Após tratamento, a taxa de recuperação é aproximadamente 80% e 20% em países desenvolvidos e subdesenvolvidos, respetivamente2. Apesar da taxa de recuperação ser elevada, o cancro ainda é, mundialmente, a principal causa de morte nas crianças e adolescentes. Anualmente, são diagnosticados com cancro 300 000 crianças até aos 19 anos 3. Todos os dias, 45 crianças (dos 0 aos 19 anos) são diagnosticadas com cancro, sendo afetados todos os grupos étnicos, de género e socioeconómicos4.
Figura 1. Incidência de Cancro Pediátrico em Portugal realizada com base nos dados disponíveis no Registo Oncológico Nacional 2005 (resultados expressos como número de casos por 100 mil habitantes/ano).
Em Portugal são diagnosticados, em média, 350 novos casos por ano. Neste sentido, a Figura 1 ilustra a incidência do cancro infantil em Portugal e o número de casos de cancro pediátrico por sexo. Os tipos de cancro mais frequentes nas crianças são leucemias, tumores do sistema nervoso central e linfomas (Figura 2)5.
Como geralmente não é possível prevenir o cancro em crianças, a estratégia mais eficaz para reduzir esta prevalência é o foco num diagnóstico imediato e correto seguido por uma terapia eficaz. Portanto, quando um cancro é identificado precocemente há uma maior possibilidade de responder eficazmente ao tratamento, resultando numa maior probabilidade de sobrevivência e menor sofrimento. Para além disso, um diagnóstico correto é essencial para tratar crianças com esta patologia, uma vez que cada cancro requer uma estratégia de tratamento específica que pode incluir cirurgia, radioterapia e quimioterapia. Assim, melhorias significativas podem ser feitas na vida destas crianças, detetando-o a doença precocemente e evitando atrasos no atendimento.
Figura 2. Tipos de Cancro Pediátrico ROR Norte com base nos dados disponibilizados pelos Registos Oncológicos de 1997 a 2006, no portal do RORENO (www.roreno.com.pt).
A Leucemia em crianças
A Leucemia é um dos cancros infantis mais incidente (Figura 2) e é caracterizado um cancro das células mais primitivas da medula óssea – as células estaminais. A medula óssea é o órgão onde se formam as células do sangue, as células maduras formam-se a partir das células estaminais, que são mais primitivas. Dentro dos vários tipos de leucemia, os que mais afetam as crianças são as leucemias agudas como a leucemia linfoblástica aguda (tipo mais comum de leucemia em idade pediátrica) e a leucemia mieloide aguda (afeta crianças e adultos).
O efeito do cordão umbilical na leucemia tem sido notório e vincado sendo já considerado um robusto reforço no tratamento de leucemia em crianças.
Leucemia Mieloide Aguda
Em 2019, a revista científica “Blood Advances” publicou um estudo que revelou que o sangue do cordão umbilical é uma fonte de células importante no tratamento doentes pediátricos com leucemia mieloide aguda, relacionando-se com melhor esperança e qualidade de vida no período pós-transplante. Neste estudo, 317 crianças com leucemia mieloide aguda foram divididas em 3 grupos.
O primeiro grupo foi sujeito a transplante de células da medula óssea de um irmão compatível, o segundo grupo a um transplante de células da medula óssea de um dador compatível não familiar e o terceiro grupo a um transplante de sangue do cordão umbilical6. Os grupos foram comparados relativamente à sobrevivência livre de doença e à ausência de doença do enxerto contra o hospedeiro crónica (complicação de transplantes hematopoiéticos que compromete seriamente a qualidade de vida dos doentes no período pós-transplante). Não menos importante, foi também avaliada a segurança destes transplantes nas crianças.
Os resultados demonstraram que as crianças que receberam o transplante de sangue do cordão umbilical apresentaram melhores resultados comparativamente às tratadas com medula óssea de um dador não familiar6. Conclui-se que, o transplante hematopoiético com células de um irmão compatível é a abordagem terapêutica mais indicada nestes casos. No entanto, cerca de 70% dos doentes não dispõem dessa opção. Portanto, segundo este estudo, o sangue do cordão umbilical pode ser a alternativa mais eficaz de tratamento.
Leucemia Linfoblástica Aguda
A leucemia aguda infantil ainda tem um mau prognóstico e o transplante alogénico de células estaminais hematopoéticas é o tratamento indicado. Desta forma, o sangue do cordão umbilical é uma fonte de células atrativa para esta população porque apresenta baixo risco de doença do enxerto contra hospedeiro crónica e disponibilidade imediata.
Tendo em conta estas características, Annalisa Ruggeri e avaliaram o efeito do transplante alogénico do sangue do cordão umbilical em 157 crianças com leucemia linfoblástica aguda e 95 crianças com leucemia mieloide aguda. Neste estudo os pacientes com leucemia linfoblástica aguda obtiveram melhor prognóstico do que aqueles com leucemia mieloide aguda. Quanto às crianças com mau prognóstico, estas devem ser transplantadas assim que alcancem o estado de remissão completa, uma vez que o transplante nesta fase está associado a um menor risco de reincidência. As crianças que apresentem a primeira reincidência devem ser transplantadas com o sangue do cordão umbilical assim que o segundo estado de remissão completa for alcançado. Conclui-se que, após o transplante de sangue do cordão umbilical, este é uma opção de tratamento adequada e eficaz em crianças com leucemia em remissão 7.
Em relação à medula óssea e ao sangue periférico, o sangue do cordão umbilical apresenta uma maior capacidade de proliferação e maior número de células estaminais hematopoiéticas por unidade de volume, menor requisito de compatibilidade (HLA), menor risco de doença do enxerto contra o hospedeiro e infecção. É, também, caracterizado por uma colheita não invasiva, indolor e sem qualquer tipo de risco para o dador (mãe e bebé), pela capacidade de armazenamento por longos períodos e disponibilidade imediata para transplante, englobando algumas das caraterísticas do sangue do cordão umbilical que o definem como uma excelente alternativa de fonte de células estaminais.
Assim, a associação entre estas vantagens do sangue do cordão umbilical com os variados estudos científicos que avaliam a sua eficácia e segurança, indica e apoia a necessidade de um maior investimento no sangue do cordão umbilical por todas as suas características diferenciais e benéficas no tratamento de várias patologias, nomeadamente o cancro.
Artigo escrito pela Doutora Andreia Gomes, Responsável pela Unidade de I&D do Laboratório BebéVida